
Crianças inquietas na sala de aula: estratégias para os professores e educadores
Em poucas linhas: “Agitação” nem sempre é “mau comportamento” ou “má educação”. Para muitas crianças, especialmente as com dificuldades de processamento sensorial, o corpo pede movimento, previsibilidade e um ambiente com menos ruído para que a atenção aconteça. A terapia ocupacional — em particular a abordagem de Integração Sensorial de Ayres (ASI) — oferece uma base teórica e práticas colaborativas que a escola pode aplicar já amanhã.
Por que motivo algumas crianças não param quietas?
A teoria de integração sensorial (A. Jean Ayres) explica como o cérebro organiza informações dos sistemas tátil, vestibular, propriocetivo, visual e auditivo para gerar respostas adaptativas — como manter o corpo sentado, filtrar barulho e manter a atenção. Quando esse processamento é desafiante, a criança pode procurar (ou evitar) estímulos: balançar a cadeira, levantar-se com frequência, tapar os ouvidos, roer tampas de caneta — estratégias sensoriais/corporais para “regular” o nível de ativação.
O que diz a evidência (em linguagem simples)?
ASI tem evidência para metas funcionais (ex.: aumentar participação e autonomia) em crianças com autismo, quando aplicada por terapeutas ocupacionais, que seguem a medida de fidelidade do modelo. Ensaios e revisões sistemáticas mostram ganhos em objetivos individualizados (Goal Attainment Scaling) e em atividades do dia a dia. Não é “milagre” para tudo, mas é promissora, quando bem aplicada.
Pausas ativas e movimento estruturado tendem a melhorar o comportamento “on-task” e a atenção no contexto de sala, embora o efeito varie conforme intensidade, duração e o tipo de atividade.
Ambiente importa: ruído e barulho associam-se a mais distração e pior desempenho. Melhorar a acústica beneficia toda a turma.
9 estratégias práticas
- Pausas de movimento com propósito (2–5 min)
• 1–2 vezes por bloco de 30–45 min: levantar, transportar livros, fazer recados, mini-circuitos de alongar-empurrar-puxar, marcha no lugar + respiração.
• Diga o porquê (“para recarregar o cérebro”, “para libertar energia acumulada”, etc.) e marque início/fim visualmente (timer, ampulheta).
Porque funciona: está comprovado que doses curtas de atividade física podem aumentar tempo “on-task”. - Estímulos propriocetivos (“trabalho pesado”) dentro da rotina
• Empurrar a parede, pranchas com mãos na mesa, carregar cestos/caixas, apagar quadro com pressão, elásticos grossos nas pernas da cadeira para empurrar com os pés.
Objetivo: regular o nível de ativação sem sair do contexto da tarefa. - Assentos e posições alternativas
• Almofada insuflável, banco alto para trabalho em pé 5–10 min, tapete no chão para leitura, mesas altas para trabalhar em pé, bancos alternativos (bolas, caixas com rodinhas, etc.). - Ambiente menos ruidoso (higiene acústica)
• Tapetes/cortinas, borrachas/bolas de ténis nos pés das cadeiras, painéis acústicos onde possível; use sinais visuais de nível de ruído e zonas “calmas”.
• Para alunos muito sensíveis, permita tampões/auscultadores sem som durante tarefas individuais. - Previsibilidade e “mapas visuais”
• Agenda visual do dia ou semana, estruturação visual de tarefas, contagem regressiva para transições, postos de trabalho com etiqueta de passos.
Objetivo: reduzir carga executiva e ansiedade, “libertando energia” para a atenção. - Ferramentas táteis/fidget discretas
• Massas de moldar mais dura/bostik, argolas de borracha no lápis.
• Estabeleça regras de utilização: ferramentas silenciosas, não distrair os colegas, não são brinquedos. - Rotinas de autorregulação
• “Paragem de 60 segundos”: respiração + alongamento + foco no próximo passo.
• Introduza vocabulário corporal: “alto/baixo nível de energia ou atenção”, “como o meu corpo aprende melhor?”. (Co-regulação do adulto é chave.) - Ensino por múltiplas vias
• Combine instrução oral + pistas visuais + componente motora curta (apontar, construir, mover cartões). - Como avaliar estratégias
• Escolha 1 comportamento (ex.: “levanta-se do lugar”), meça 10 min/dia por 1–2 semanas, introduza 1 estratégia, meça de novo. Mudar uma variável de cada vez.
Quando chamar o terapeuta ocupacional (e como colaborar)?
Sinais de alerta: interferência persistente na participação (aprender, brincar, autocuidado), sofrimento com ruído/luz/toque, quedas frequentes, dificuldade marcada em planear ações (práxis).
O que esperar: avaliação centrada na participação, definição de objetivos com a equipa e família, plano que pode incluir intervenção ASI (quando indicado) e adaptações escolares (treino de rotinas, estratégias para o professor).
Ideias “prontas a usar”:
- Mini-plano de pausa ativa (3 min): 30s marcha + 30s empurrar parede + 30s alongar + 60s respiração + 30s foco (“qual é o próximo passo?”) – com toda a turma.
- Cartão do “trabalho pesado” na secretária: 3 opções silenciosas que a criança pode escolher sem pedir (empurrar joelhos na mesa, apertar bola antisstress 10x, apoiar mãos no assento da cadeira e tentar elevar o corpo sentado).
- Contrato de ferramenta fidget (visível no estojo): “Uso só enquanto escuto/leio; fica abaixo da mesa; se distrair, vai para a caixa.”
- Checklist de higiene acústica da sala: ruído de fundo, eco, materiais absorventes, volume de voz.
Conclusão
Crianças inquietas estão, muitas vezes, a comunicar necessidades sensoriais e de autorregulação. Com rotinas de movimento planeadas, ambiente mais previsível e menos ruidoso, e uma parceria ativa com a terapia ocupacional (incluindo ASI quando indicada), a sala de aula torna-se um lugar em que atenção, aprendizagem e bem-estar andam de mãos dadas — para todos.